sábado, 10 de maio de 2008

"O homem mais sábio que alguma vez conheci, Fermín Romero de Torres, tinha-me explicado numa ocasião que não existe na vida experiência comparável com a da primeira vez que se despe uma mulher. Sábio como era, não me tinha mentido, mas tão-pouco me contara toda a verdade. Nada me tinha dito daquele estranho tremelique das mãos que convertia cada botão, cada fecho-éclair, em tarefa de titãs. Nada me tinha dito daquele feitiço de pele pálida e trémula, daquele primeiro roçagar de lábios nem daquela miragem que parecia arder em cada poro da pele. Nada me contara de tudo aquilo porque sabia que o milagre só sucedia uma vez e que, ao suceder, falava uma língua de segredos que, mal se desvendavam, fugiam para sempre. mil vezes quis recuperar aquela primeira tarde no casarão da Avenida del Tibidabo com Bea em que o rumor da chuva arrebatou o mundo. Mil vezes quis regressar e perder-me numa recordação da qual apenas consigo recuperar uma imagem roubada ao calor das chamas. Bea, nua e reluzente de chuva, deitada junto ao fogo, aberta num olhar que me perseguiu desde então. Inclinei-me sobre ela e percorri a pele do seu ventre com a ponta dos dedos. Bea deixou descair as pálpebras, os olhos, e sorriu-me, segura e forte.- Faz-me o que quiseres - sussurrou.Tinha dezassete anos e a vida nos lábios."

Carlos Ruiz Zafón em A sombra do Vento.

Ah, a literatura!

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