sábado, 17 de maio de 2008

Idéias

Cá estou, sábado a noite, a escrever. Uma frase que uma pessoa falou esta semana (não estava nem ao menos se dirigindo a mim) me chamou a atenção: "Tenho uma idéia!". Como é incomparável a sensação de se ter uma idéia. Naquele breve momento em que a idéia surge em nosso pensamento, enquanto a lógica da idéia está se construindo em uma fração de segundos, enquanto ainda não sabemos ao certo se a idéia será maravilhosa, inigualável, ou apenas mais uma idéia que será descartada como a maioria das idéias. É neste momento que se sente algo que vem da barriga, que consegue superar a velocidade da sinapse dos nossos neurônios, uma espécie de ansiedade misturada com tesão. Afinal, é uma idéia que está se construindo. É como se um mundo fosse construído em um piscar de olhos, mas ninguém pode compartilhar deste sentimento com a pessoa que a tem. É um privilégio dos criativos, talvez.
É interessante pensar que algumas das melhores idéias do mundo possam ter sido reprimidas por pessoas invejosas ou por terem surgido na cabeça de tímidos, com medo de causar má impressão, ou por simples impulso do idealizador. Não consigo conviver com a idéia de crer que alguém que teve a idéia de misturar um queijo com goiabada da vida parou e disse para si mesmo: 'Que ridículo!' e descartou-a em um poço de recordações esquecidas, onde ninguém nunca poderia entrar. Por isso escrevo.

sábado, 10 de maio de 2008

"O homem mais sábio que alguma vez conheci, Fermín Romero de Torres, tinha-me explicado numa ocasião que não existe na vida experiência comparável com a da primeira vez que se despe uma mulher. Sábio como era, não me tinha mentido, mas tão-pouco me contara toda a verdade. Nada me tinha dito daquele estranho tremelique das mãos que convertia cada botão, cada fecho-éclair, em tarefa de titãs. Nada me tinha dito daquele feitiço de pele pálida e trémula, daquele primeiro roçagar de lábios nem daquela miragem que parecia arder em cada poro da pele. Nada me contara de tudo aquilo porque sabia que o milagre só sucedia uma vez e que, ao suceder, falava uma língua de segredos que, mal se desvendavam, fugiam para sempre. mil vezes quis recuperar aquela primeira tarde no casarão da Avenida del Tibidabo com Bea em que o rumor da chuva arrebatou o mundo. Mil vezes quis regressar e perder-me numa recordação da qual apenas consigo recuperar uma imagem roubada ao calor das chamas. Bea, nua e reluzente de chuva, deitada junto ao fogo, aberta num olhar que me perseguiu desde então. Inclinei-me sobre ela e percorri a pele do seu ventre com a ponta dos dedos. Bea deixou descair as pálpebras, os olhos, e sorriu-me, segura e forte.- Faz-me o que quiseres - sussurrou.Tinha dezassete anos e a vida nos lábios."

Carlos Ruiz Zafón em A sombra do Vento.

Ah, a literatura!